Distúrbios da pressão: como anda a saúde dos nossos adolescentes
Irapoan Bertholdo dos Santos Júnior
Mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UEZO)
Andréia Barbosa de Sena
Graduanda em Farmácia (UCB)
Milena Silva do Couto
Aluna de Ensino Médio (Colégio Estadual Marieta Cunha da Silva)
Andreza Lima dos Santos
Aluna de Ensino Médio (Colégio Estadual Marieta Cunha da Silva)
Introdução
A pressão sanguínea no sistema arterial (pressão arterial) é originada e mantida pela interação entre a força propulsora cardíaca, a capacidade de dilatação elástica da aorta e a resistência ao fluxo de sangue, exercida predominantemente pelas arteríolas e artérias de calibre inferior a 200mm de diâmetro. Ela oscila entre um nível máximo e mínimo, sendo, portanto, de natureza pulsátil. O nível máximo de pressão é alcançado durante a sístole, e o nível mínimo durante a diástole, motivo pelo qual são denominadas, respectivamente, pressão sistólica e diastólica (Aires, 2015). Guyton e Hall (2012) mostram que, no adulto jovem saudável, a pressão sistólica é de cerca de 120mmHg e a pressão diastólica é de cerca de 80mmHg. A diferença entre essas duas pressões, de aproximadamente 40mmHg, é chamada pressão de pulso. A Figura 1 demonstra as pressões arteriais sistólicas e diastólicas aproximadamente normais em diferentes idades.
Figura 1: Alterações das pressões sistólica, diastólica e média com a idade. As áreas sombreadas mostram faixas normais aproximadas
Fonte: Guyton; Hall (2012).
Hipertensão é uma doença crônica popularmente conhecida como “pressão alta”. De acordo com a VII Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2016), hipertensão arterial (HA) é a condição clínica multifatorial caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos ≥ 140 e/ou 90mmHg. A hipertensão arterial é “silenciosa”, ou seja, na maioria das vezes não apresenta sintomas. Trata-se de um dos maiores problemas de saúde pública, contribuindo para os acidentes cardiovasculares, acarretando grande ônus à sociedade, seja por hospitalizações, invalidez ou mortes precoces. Guyton e Hall (2012) mostram que os efeitos letais da hipertensão ocorrem por três modos principais:- O trabalho cardíaco excessivo leva à insuficiência cardíaca e à doença coronariana precoces, frequentemente causando a morte por ataque cardíaco.
- A alta pressão frequentemente lesa vaso sanguíneo cerebral importante, causando a morte de grandes partes do cérebro, o que constitui o infarto cerebral. Clinicamente, ele é chamado de “acidente vascular cerebral” (AVC). Conforme a parte afetada do cérebro, o AVC pode provocar paralisia, demência, cegueira ou muitos outros distúrbios cerebrais graves.
- A pressão alta quase sempre lesa os rins, produzindo muitas áreas de destruição renal e por fim insuficiência renal, uremia e morte.
Objetivo
Identificar leituras pressóricas indicativas de pré-hipertensão arterial nos adolescentes da comunidade escolar e orientar os pais sobre os procedimentos a serem adotados nos casos em que esse quadro for constatado.Materiais e métodos
A população de estudo foi composta por amostra de alunos do Colégio Estadual Marieta Cunha da Silva, localizado no município do Rio de Janeiro. Aceitaram participar do estudo 68 alunos com idade entre 15 e 18 anos. A coleta de dados foi realizada durante três dias. Informações sobre idade, gênero, uso de bebida alcoólica e hábito de fumar foram obtidas com a aplicação de um questionário estruturado. Técnicas padronizadas foram empregadas para a obtenção de medidas antropométricas e de pressão arterial. Para a aferição da pressão arterial foi utilizado esfigmomanômetro aneroide completo, da marca Premium. As medidas da pressão arterial foram tomadas no ambiente mais tranquilo e silencioso disponível na escola, com o aluno sentado, relaxado, com as costas apoiadas, pés pousados no chão, pernas descruzadas e com o braço direito apoiado sobre uma mesa e à altura do precórdio (região acima do estômago). O braço direito foi escolhido para as medidas repetidas da pressão arterial em virtude da consistência e da comparação com as tabelas de referência e por causa da possibilidade de coarctação da aorta, a qual pode levar para leituras falsas (baixas) no braço esquerdo. Os adolescentes foram mantidos em repouso antes e durante a verificação e orientados a permanecer em silêncio. A medida da pressão arterial foi verificada em dois momentos, com intervalos de um a dois minutos entre cada verificação. A média das duas aferições foi considerada a pressão arterial. O peso foi medido com balança eletrônica digital da marca Mondial (modelo BL 03) com capacidade de 150kg e precisão de 100g. O aluno permaneceu na posição ereta no centro da balança, com os pés juntos e descalços e os braços estendidos ao longo do corpo. A estatura foi medida utilizando régua antropométrica com precisão de 0,1cm. Para tal, o aluno se manteve na posição ereta, com os pés juntos e descalços e os braços estendidos ao longo do corpo. Foram considerados com quadro indicativo de pré-hipertensão aqueles alunos que apresentarem PA sistólica entre 120 e 139 e/ou PA diastólica entre 80 e 89mmHg. Os dados de peso e altura foram utilizados para calcular o Índice de Massa Corporal (IMC), que possui bom potencial como indicador do estado nutricional. A fórmula do IMC é a mesma para todas as pessoas. O que muda são os pontos de corte, ou seja, os valores considerados como referência para a classificação do peso. Essas referências são específicas para crianças, adolescentes, adultos, idosos e gestantes. Os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foram utilizados como critério de diagnóstico do estado nutricional, conforme mostrados nas Tabelas 1 e 2.Tabela 1: IMC para adolescentes de 15 a 18 anos do sexo masculino
Idade |
IMC – sexo masculino |
||
|
Baixo peso |
Adequado |
Sobrepeso |
15 |
até 16,58 |
16,59 a 23,62 |
a partir de 23,63 |
16 |
até 17 |
17,01 a 24,44 |
a partir de 24,45 |
17 |
até 17,3 |
17,31 a 25,27 |
a partir de 25,28 |
18 |
até 17,53 |
17,54 a 25,94 |
a partir de 25,95 |
Tabela 2: IMC para adolescentes de 15 a 18 anos do sexo feminino
Idade |
IMC – sexo feminino |
||
|
Baixo peso |
Adequado |
Sobrepeso |
15 |
até 16 |
16,01 a 24,28 |
a partir de 24,29 |
16 |
até 16,36 |
16,37 a 24,73 |
a partir de 24,74 |
17 |
até 16,58 |
16,59 a 25,22 |
a partir de 25,23 |
18 |
até 16,7 |
16,71 a 25,55 |
a partir de 25,56 |
IMC = P (peso em quilos) / h² (altura x altura, em metros)
Resultados e discussão
Os resultados evidenciam que, do total de alunos participantes, 35,3% possuem pressão arterial sistólica e/ou diastólica com valores indicativos de pré-hipertensão arterial, conforme pode ser observado na Figura 2. Os dados de pré-hipertensão encontrados estão de acordo com estudos de base populacional, que mostram a prevalência mundial de pré-hipertensão variando entre 21 e 37,7% (Egans; Stevens, 2015). Os pré-hipertensos têm maior probabilidade de se tornarem hipertensos e mais riscos de desenvolvimento de complicações cardiovasculares quando comparados a indivíduos com pressão arterial normal –≤120/80mmHg (Alessi et al., 2014).Figura 2: Percentual de alunos com valores de pressão arterial indicativos de normotensão, pré-hipertensão e hipertensão
Figura 3: Estado nutricional dos alunos
Figura 4: Consumo de álcool e cigarro nos grupos com indicativo de pré-hipertensão
Conclusões
Foram identificadas leituras pressóricas indicativas de pré-hipertensão arterial em 35,3% dos adolescentes participantes do estudo, valores indicativos que se assemelham quando levamos em consideração tanto a pressão arterial sistólica como a diastólica. Os dados também mostram um índice de sobrepeso no sexo feminino 3,6 vezes maior que no masculino. Além disso, mais da metade dos indivíduos com indicativos de pré-hipertensão consomem algum tipo de bebida alcoólica. Os dados obtidos podem ser utilizados para orientar os pais dos alunos que fazem parte do grupo onde se encontraram indicativos de pré-hipertensão, abordando procedimentos a serem adotados nesses casos. Vale ressaltar que leituras pressóricas pontuais são insuficientes para afirmar que os indivíduos participantes do estudo são pré-hipertensos, mas nos fazem ter um olhar mais cuidadoso sobre esses jovens. Futuramente, mais variáveis podem ser adicionadas ao trabalho para torna-lo ainda mais completo, como medida de circunferência abdominal, frequência cardíaca e levantamento quanto à prática de atividades físicas.Referências
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